quarta-feira, 29 de agosto de 2007

NO BRASIL, CONSUMIMOS SAÚDE OU DOENÇA?

Por Adriana Leocádio

“A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”. Art. 196, Constituição Federal Brasileira.

Dois enunciados articulados entre si, explicam usualmente a expansão dos planos privados de saúde no Brasil. Em uma primeira instância insuficiências do SUS são associadas à expansão da assistência médica suplementar evocando os avanços das políticas de corte neoliberal. Essa equação, por sua vez, remete questões tanto às proposições reformistas universalistas quanto às políticas assistenciais seletivas.
Contudo, isso abre espaço para sacrificar a população ainda mais, que além de contribuir arduamente com uma pesada carga de impostos, se vê obrigado a aderir ao setor privado consumindo SAÚDE.

SERÁ QUE É SAÚDE MESMO QUE ESTAMOS CONSUMINDO?

Muitos supõem que a existência de dois sistemas de saúde é uma realidade tangível. Expressões, como "só fica no SUS quem não tem recursos para comprar um plano” ou mais elaborados "se quem pode pagar tem plano de saúde dá para o SUS cuidar melhor dos pobres", denotam uma clivagem praticamente intransponível entre ambas as redes assistenciais.

A grande verdade é que, seja público ou privado, no Brasil o que todos nós temos é “PLANO DE DOENÇA”. Tudo funciona bem enquanto não precisamos usar.
Muitas vezes, leio preciosos artigos, escrito por consagrados médicos informando o quanto é preciso fazer prevenção para manter-se saudável. Esse é um conceito difícil de ser inserido na sociedade brasileira, ou melhor, ocidental. Até com nossos bens materiais esperamos ter problemas para fazer uma revisão, que dirá com a nossa saúde.

Na verdade é que mesmo de forma inconsciente, não fazemos prevenção para nos prevenir. Isso mesmo, o que você acabou de ler não é um erro de digitação.
Será que você leitor, já parou e pensou que todas as vezes que vamos tentar nos prevenir de algo acabamos no mínimo com estresse? Que vem a ser uma doença.
Proponho um teste, procure seu médico e peça uma bateria de exames preventivos. Pronto, começou o problema. Será que meu convênio cobre tudo isso? Será que seu médico não será descredenciado?
Mas porque não posso fazer meus exames naquele laboratório, não fui informada disso quando adquiri esse plano? Em suma, estamos falando de saúde ou doença?
Um dos principais eixos do debate e da legislação elaborada para regulamentar o mercado de planos e seguros-saúde repousa sobre a idéia de que as ampliações de cobertura "liberam" o SUS do atendimento de clientes da assistência médica suplementar. Será mesmo?
Tornou-se lugar-comum, no âmbito do setor saúde, repetir, com algumas variantes, a seguinte frase: saúde não é doença, saúde é qualidade de vida. Por mais correta que esteja tal afirmativa costuma ser vazia de significado.
Dizer, portanto, que o conceito de saúde tem relações ou deve estar mais próximo da noção de qualidade de vida, que saúde não é mera ausência de doença, já é um bom começo, porque manifesta o mal-estar com o reducionismo biomédico. Porém, pouco acrescenta à reflexão.
Os planos privados de assistência assumiram um papel substantivo na provisão de cuidados à saúde. A diversidade de situação dos usuários reflete a sociedade brasileira, com diferenças de renda, qualidade de vida, grau de satisfação das necessidades sociais. No momento, o Rol de Procedimentos da Agência Nacional de Saúde Suplementar enuncia os eventos que devem ser obrigatoriamente pagos por planos de saúde e demonstra a visão da saúde suplementar no inicio da regulamentação, devendo ser revisado com uma nova metodologia.
Estudos recentes e mais detalhados sobre os planos privados de saúde se contrapõem especificamente à noção da separação entre mercado e Estado, ao explorarem outros ângulos da assistência médica suplementar.
Vou considerar como qualidade de vida boa ou excelente aquela que ofereça um mínimo de condições para que os indivíduos nela inseridos possam desenvolver o máximo de suas potencialidades, sejam estas: viver, sentir ou amar, trabalhar, produzindo bens e serviços, fazendo ciência ou artes. Falta o esforço de fazer da noção um conceito e torná-lo operativo.
Cobertura de planos privados de saúde e doenças crônicas
A briga, a luta para conseguir alcançar nossos direitos nos dá ânimo para continuar a viver e lutar contra a doença, serve de coadjuvante ao tratamento médico fazendo com que o mesmo tenha maiores possibilidade de êxito. (Maria Cecília Volpe)

Para especificar a origem das fontes de remuneração dos procedimentos de alto custo, relacionados com a assistência a doenças crônicas, o artigo examina a utilização de procedimentos médicos selecionados por clientes vinculados a planos privados de saúde e pelos segmentos populacionais cobertos exclusivamente pelo SUS.
Apesar de possíveis problemas de classificação, as taxas de utilização dos clientes de planos privados de saúde para revascularização do miocárdio, angioplastia, artroplastia de quadril, e cirurgia de obesidade mórbida são mais elevadas do que as estimadas para os segmentos populacionais exclusivamente cobertos pelo SUS. Por outro lado, as proporções de transplantes hepáticos e terapias renais substitutivas remuneradas diretamente pelo SUS variam de 89% a 96%. Tais resultados sinalizam uma divisão de atribuições entre as esferas públicas e privada no que se refere às fontes de remuneração dos procedimentos de alta complexidade. Os estudos sobre o tema - seguros e doenças crônicas - enfocam principalmente os custos que envolvem as coberturas assistenciais.
Portanto, a referência à doença crônica sob um registro negativo, análogo ao de furacão - que é o exemplo mais utilizado entre os agentes de seguro para descrever risco catastrófico - é usada para justificar a não-cobertura de eventos imprevisíveis e requerentes de vultuosos recursos para atenuar perdas.
Para aqueles que consideram que a prevenção e o "gerenciamento" das doenças crônicas são essenciais à redução de custos assistenciais, o realce está na necessidade de padronização das práticas, na configuração de sistemas integrados de atenção e definição das responsabilidades sobre os riscos (Enthoven, 2003).
Algumas empresas de assistência suplementar consideram que suas coberturas, inclusive no que se refere ao consumo de procedimentos de alto custo, são muito superiores àquelas propiciadas pelo SUS. Dirimir tal polêmica é uma tarefa que exige a mobilização de referenciais teóricos e bases empíricas muito mais extensas do que aquelas obtidas para esse estudo. Porém a tarefa de problematizar a afirmação genérica segundo a qual "o SUS é o responsável pela alta complexidade" parece inadiável.
Qualidade de vida: medidas e padrões gerais
Qualidade de vida é uma noção eminentemente humana, que tem sido aproximada ao grau de satisfação encontrado na vida familiar, amorosa, social e ambiental e à própria estética existencial. Pressupõe a capacidade de efetuar uma síntese cultural de todos os elementos que determinada sociedade considera seu padrão de conforto e bem-estar.
O exercício dos direitos não cura, mas pode aliviar!